domingo, 9 de janeiro de 2011

ONDE ESTÁ O ASFALTO BORRACHA BRASILEIRO?

Antes protegida pela Lei de Patentes norte-americana, desde a década de 60, a tecnologia do asfalto borracha finalmente caiu no domínio público e começa a ser utilizada por vários países do mundo, entre eles o Brasil, onde empresas, universidades e centros de pesquisa estão desenvolvendo o composto para aplicação nas estradas brasileiras. Algumas empresas já comercializam o produto para empreiteiras e concessionárias de rodovias. Para o engenheiro Paulo Gontijo, doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com especialização em engenharia rodoviária, chamar o produto brasileiro de asfalto borracha é, no mínimo, uma irresponsabilidade. Segundo ele, o produto que está sendo fabricado no Brasil não passa de asfalto misturado com borracha, sem qualquer efeito prático. Nesta entrevista, Gontijo explica como é a tecnologia do verdadeiro asfalto borracha, por que a patente nunca conseguiu ser quebrada e quais as principais vantagens e desvantagens do ligante asfáltico miscigenado com borracha granulada de pneus reciclados. Ele também defende a importação da tecnologia e o aperfeiçoamento da sua técnica de produção. "Pra que gastar dinheiro tentanto reinventar a roda?", questiona o engenheiro e promotor do Asphalt Rubber 2003, evento realizado recentemente em Brasília, que reuniu os maiores especialistas em asfalto borracha do mundo. Gontijo já publicou 109 trabalhos científicos no Brasil e 25 no exterior.


C&T – A mistura de asfalto com borracha não é uma tecnologia nova. Por que só agora está conquistando o mercado?

Gontijo - É uma tecnologia antiga que tem 40 anos de vida. Foi desenvolvida no Arizona, Estados Unidos, por um técnico chamado Charles Mac’Dowell, que registrou sua patente depois de 10 anos de experiências, estudos e análises experimentais. A patente durou 30 anos e só foi cedida para a Califórnia, o Arizona e para a África do Sul, os únicos que aplicaram efetivamente essa tecnologia. No final da década passada essa patente caducou, caiu no domínio público e hoje pode ser utilizada por qualquer país do mundo.


C&T - Por que a patente durou tanto tempo?

Gontijo - Porque nenhum americano conseguiu quebrá-la ninguém conseguiu criar um processo paralelo. E como a patente durou 30 anos em um país avançado como os Estados Unidos, é de pressupor que se trata de uma tecnologia praticamente única.


C&T - A aplicação desta tecnologia exige equipamentos especiais?

Gontijo - São equipamentos específicos que fazem a miscigenação da borracha reciclada de pneus inservíveis. O pneu é reciclado e triturado dando origem à borracha granulada. Mas a miscigenação dessa borracha com o asfalto consiste numa tecnologia altamente avançada, embora tenha 40 anos de idade.


C&T - E como é essa tecnologia?

Gontijo - Consiste na miscigenação da borracha com o asfalto, fundindo esses dois materiais para dar origem a um terceiro produto, que não é nem o primeiro, nem o segundo. Não é simplesmente a miscigenação. É preciso haver a fusão dos dois materiais.


C&T - A fusão, então, é o principal da tecnologia?

Gontijo - Exatamente. O que é o ligante asfáltico que nós usamos para fazer a mistura alsfáltica? O que nós chamamos de CAP (cimento asfáltico de petróleo) é o só o ligante, quem agüenta o tranco e segura a carga é a pedra. Mas é preciso aglutinar essa pedra, e é por isso que usamos o CAP, ele é apenas o ligante. O ligante não agüenta muito tranco e envelhece com o tempo. O ligante asfáltico nasce pretinho e vai ficando cinza até chegar ao cinza bem clarinho. E quanto mais velho, ele vai ficando mais duro e mais quebradiço.


C&T - Por isso as estradas vão ficando esburacadas com o tempo...

Gontijo - Todo asfalto tem uma vida útil. Não se faz uma estrada para durar 100 anos. Estrada é feita para durar 10 anos, porque existe o processo natural de envelhecimento do ligante asfaltico, que é um produto perecível. E ele morre porque respira, igualzinho ao ser humano.


C&T - Como assim?

Gontijo - Toda vez que passa uma partícula de oxigênio, o asfalto chupa essa partícula e oxida. Oxidar no asfalto significa endurecer, e endurecer significa ficar quebradiço. Essa oxidação é natural em qualquer asfalto, mas quando você miscigena e funde a borracha com o asfalto, sua vida útil passa a ser praticamente eterna. É algo inacreditável. Ele passa a durar de 25 a 30 anos.


C&T - Então, essa é a grande vantagem do asfalto borracha?

Gontijo - Uma delas. Além da durabilidade, você diminui o custo de pavimentação e reduz pela metade a espessura do asfalto que está sendo aplicado. E isso reduz tudo. Reduz-se à metade a brita que vai utilizar, bem como o transporte desta brita, o gasto com usinagem, ou seja, energia elétrica, o transporte da massa, a compactação. Reduz-se tudo, por isso há um ganho indireto fabuloso.


C&T - Maior durabilidade com redução de custos já são, por si só, excelentes atrativos...

Gontijo - Mas tem mais. Além de reduzir a espessura, você diminui o nível de ruído provocado pelo tráfego. O asfalto borracha reduz os ruídos da pista em até cinco decibéis. É como se você tirasse 85% do ruído provocado pelo tráfego. Você praticamente escuta o motor trabalhando. Imagina esse benefício em termos de vias urbanas?


C&T - O atrito da borracha da pista com a borracha do asfalto também aumenta a aderência?

Gontijo - Todo mundo acha que pneu é só borracha. Pneu não é só borracha não. Ele tem 35% de carbono puro, um sólido que tem a dureza do diamante. Por isso que pneu demora pra gastar. Ao fundir esse sólido com o asfalto da borracha e envolver este agregado com o ligante, o carbono puro praticamente desaparece e o que era extremamente liso passa a ser micro-rugoso, dobrando a capacidade de resistência à derrapagem. Você passa a ter um pavimento asfalto borracha molhado com a mesma distância de frenagem de um pavimento asfáltico convencional seco.


C&T - Isso não faz com que se gaste mais pneu?

Gontijo - Óbvio que vai gastar mais pneu, mas a segurança do condutor será total, porque você aumenta o atrito pneumático e passa a ter o domínio completo da direção do veículo.


C&T - Sem contar que é uma matéria prima barata e abundante...

Gontijo - E tem um apelo ambiental fenomenal, pois utiliza um pneu inservível por cada metro quadrado de asfalto colocado na pista. E a matéria prima é mais do que barata, os fabricantes vão pagar para você ficar com os pneus velhos.


C&T - Como assim?

Gontijo - A Resolução 258 do Conama diz que a partir de 2005 todos pneus descartados terão que ter uma destinação final. A empresa que vendeu tem que recolher e dar destinação final para ele. O pneu será numerado e a empresa terá que prestar conta de todos eles. Se empresa fabricou 100 pneus e só prestou conta de 90, no ano que vem ela só vai poder fabricar 90. Então, os caras vão ter que dar destinação final ao produto.


C&T - E eles vão pagar para isso?

Gontijo - Nos Estados Unidos já é assim. Os fabricantes pagam alguém para ficar com os pneus. Então é uma matéria prima que alguém vai lhe pagar pra você consumi-la. Será a única matéria prima que alguém vai pagar para que você fique com ela. Isso é maravilhoso.

C&T - Já existe asfalto borracha no Brasil?

Gontijo - Ainda não. Até porque o mercado está nascendo para nós agora, assim como está nascendo para a Europa. Não adiante falar que na Europa tem. Não tem não. Só tem um país europeu que já fabricou. Portugal fez uma parceria com os americanos e está fabricando.


C&T - Parece que há empresas e universidades brasileiras fabricando asfalto borracha no país...

Gontijo - É Mentira. A patente levou 30 anos para ser quebrada. Como então a Petrobras, a Ipyranga, a Centro-Oeste, a Feamig, a Graca e outras empresas conseguiram fazer em três ou quatro dias? O que a Petrobras fabrica não é asfalto borracha. Todas elas dizem que fazem, mas não fazem. Elas pegam o asfalto, pegam a borracha, e misturam.


C&T - E isso não é asfalto borracha?

Gontijo - Claro que não. Veja o que acontece com o asfalto. Se eu aquecer o asfalto a mais de 177°, eu queimo o asfalto e ele deixa de ser um material ligante para virar um material queimado. Eu acabo com as propriedades ligantes dele. O asfalto borracha é fundido a 220° C. Aí que mora a patente. E mais um detalhe, se ele resfriar, por um motivo qualquer, abaixo de 190°, que é muito mais que os 177° que eles utilizam, você pode aquecê-lo incorporando mais borracha. Se ele resfriar novamente, não dá para aplicar mais, porque perdeu a massa. Ou seja, ele só admite dois ciclos de resfriamento à base de 190°.


C&T - Tem universidade anunciando que desenvolveu o asfalto borracha nacional.

Gontijo - No Brasil estão simplesmente misturando asfalto com borracha a 177°. Não acontece nada. Se eu misturar asfalto com borracha, eu tenho como resultado asfalto misturado com borracha. E ainda tem empresa que vende isso como se fosse asfalto borracha.


C&T - O que caracteriza o asfalto borracha?

Gontijo - O grande diferencial é que ele tem que ser fundido. A 177°, o asfalto não funde com a borracha. Não acontece nada. Os dois produtos têm que dar origem a um terceiro produto e não a uma mistura de asfalto com borracha. Nos Estados Unidos também tentaram fazer isso para quebrar a patente e o resultado foi catastrófico.


C&T - O que aconteceu?

Gontijo – A mistura do asfalto com borracha moída, pura e simplesmente, reduziu em 25% a vida útil da pavimentação em relação ao pavimento convencional. Sem fundição, você passa a ter um agregado fofo. Precisamos aprimorar a técnica que já existe, e não ficar tentando reiventar a roda. O Brasil fez asfalto borracha do dia para noite, sem um único ensaio. A tecnologia já existe e foi aprovada em testes experimentais que duraram mais de 10 anos. É só fazer como os japoneses, comprar a tecnologia e aprimorá-la.

C&T - Mas já tem gente querendo aplicar este produto nas estradas brasileiras.

Gontijo - Eu costumo dizer que no setor rodoviário os empreiteiros acreditam piamente em três coisas: a primeira, que Deus é Brasileiro; a segunda, que Deus é engenheiro rodoviário; e a terceira, que Deus é sócio da empresa deles. Eles não querem investir em tecnologia, preferem comprar produtos baratos e não testados.



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